Aula do dia 9 de abril de 2014.
O que o autismo pode nos ensinar?
Podemos desdobrar a questão O que o autismo pode ensinar a
nós psicanalistas? Em primeiro lugar, ele pode nos ensinar do ser-falante e, de
sua peculiar forma de mutismo, ou de seu ser verboso, como no caso da ecolalia,
que é a reprodução de uma fala, a qual nem sempre compreenda o significado do que diz, e estas
são as duas posições que têm diante da linguagem e principalmente, o modo como
respondem a Um Real que lhe é próprio.
No campo da psicanálise, a escuta, a fala e o Amor, são os
seus principais instrumentos de uso aplicados à clínica analítica, e todo o
ensino da psicanálise se sedimentam a partir da experiência analítica, e esta
diretiva da prática analítica a de um saber que não se sabe de antemão é o
principal fator para que uma análise possa ocorrer. É com esta diretriz que nos
dirigimos àquele que nos solicita um alívio, de um sofrimento, pela via da fala
em análise. É marcando a posição analítica “de um não saber” já esboçada por
Freud que se pretende ao longo do texto ir respondendo, trazendo a pluralidade
das vozes dos analistas que ao longo de 6 décadas trabalharam com o autismo,
além da diversidade de vários autistas que nos escrevem sobre o que é o
autismo, assim a pergunta já no inicio de minha fala será respondida pela via
dessa conversação. E, o autismo enquanto categoria clinica se encaixa aí, na
medida em que há um consenso entre os especialistas de que a causa do autismo é
ignorada: nem a desadaptação da aprendizagem, nem as disfunções no tratamento
da informação, nem o desejo inconsciente dos pais, nem a genética, são capazes
de explicar o seu gênesis, a sua origem. Estes pontos de concordância entre as
linhas são pouco importantes, diante da amplidão das divergências. O método ABA
se limita essencialmente a abordar comportamentos que se dedicam em normatizar,
sem buscarem penetrar nas funções respectivas destes e sem se preocuparem com a
vida afetiva do autista. Pelo contrário, o método TEACCH se apoia num funcionamento
detalhado do funcionamento cognitivo do autista e as técnicas que desenvolvem
se fundamentam explicitamente nisso. No entanto, nesta perspectiva a vida
afetiva e o trabalho de proteção contra a angústia seguem com resultados
impenetráveis. A abordagem psicanalítica é a mais heurística porque não deixa
de lado nenhum aspecto de funcionamento do ser humano.
A debate entre o biológico e o psíquico, é um falso debate adverte-nos
Éric Laurent, pois, mesmo que o sujeito sofra de um déficit, de uma deficiência,
ele não deixa de ser sujeito. E, a sequela clinica no corpo podem provocar um
“deixar cair” uma impossibilidade de chamada efetiva ao Outro e que pode
conduzir ao rechaço ao Outro. Mesmo que ocorra algo no biológico isso não
impede o espaço de sujeito como constituinte do ser falante.
Jacques Lacan em seu Seminário sobre As Psicoses, na pág. 16
nos alertava que ele havia nos seus últimos dois anos de ensino, desenvolvidos
o campo do imaginário, do simbólico e do real, acrescenta: aqui o grande segredo
da psicanálise é que não há psicogênese. Em relação a estes três registros nós
o desenvolveremos ao longo deste curso assim como os gráficos que Lacan usa
como escrita para sintetizar em uma fórmula a operação psíquica. Uma das
fórmulas é a da constituição do sujeito, que para tal deve passar pela
alienação e pela separação. Estes dois movimentos constituem o sujeito. A
operação do sujeito também se trabalhará ao longo do semestre. No autismo
encontramos uma parte do sujeito na alienação e sem que tenha passado pela
separação. Retornando a que a psicanálise não supõe uma psicogênese, mas, até afirma
o contrário disso, que é a importância do corpo para todo ser falante, ou como
dizia Lacan, importância para o falasser que é parasitado pela linguagem. Encontramos
em toda a Europa instituições de psicanalistas, principalmente lacanianos assim
como, um grande número de pais e de autistas que puderam se apoiar na
psicanálise, no lugar de ficarem sozinhos, numa batalha solitária e
desgastante. Estes pais não só são acompanhados como pais, mas podem pela
psicanálise elaborar a própria verdade subjetiva, como nos disse Laurent: irem
mais além do desespero ante o qual poderiam sucumbir. Laurent propõe um
reconhecimento da particularidade de um sofrimento sem que dele se faça uma
identidade comunitária ou, simplesmente, anulá-lo considerando-o apenas, como
uma causa “natural” sem relação nenhuma com o falasser. Enfim, trabalharemos
sobre o lugar da psicanálise diante da epidemia do autismo contemporâneo. Esta
epidemia revela a crise atual do instrumento globalizado da clinica
psiquiátrica e neurológica, o DSM, Manual de Diagnóstico Estatístico
Mundializado. A progressão epidêmica do autismo provocou um Mal-Estar nas
classificações da clinica empírica e biológica do DSM. O meu colega Luiz Carlos
Pinto Bueno desenvolverá um pouco mais este tema.
Retornando a pluralidade de ações, assim como, de
interlocutores provenientes de múltiplos saberes. O que se visa na psicanálise
é que cada criança elabore, com seus pais, um caminho próprio, para
prossegui-lo na idade adulta.
Para tal, pretendemos além do conteúdo psicanalítico que
norteará nosso estudo, nas próximas duas semanas detalharemos o nascimento da
psicanálise como uma resposta ao discurso da ciência. E, de seu limiar à
psicopatologia que norteava a clinica como desenvolveu Michel Foucault em
vários livros, como O nascimento da Clinica, A história da Loucura e, outros.
Nos anos de 1910 a 1913 Eugen Bleuler, da escola de Zurick, aluno de Wilhelm Wundt foi o primeiro
psiquiatra a se interessar pelas teorias de Sigmund Freud. Bleuler escreve sobre A Demência Precoce ou o
grupo das esquizofrenias, e Freud sobre o caso Schreber e Totem e Tabu. Freud
se apoia em Schreber para distinguir a demência precoce da Paranoia. E que
Jacques Lacan retomará em A questão Preliminar a todo tratamento possível da
psicose.
O termo autismo como diz o próprio criador do conceito,
Bleuler, é uma cisão na esquizofrenia, e que leva o indivíduo como uma crisálida
a se fechar em si mesmo. Acrescenta Bleuler que o autismo se assemelha ao autoerotismo
de Freud. No entanto o autismo de Bleuler tomou outras acepções, significações
bem diferentes daquele Autismo que Kanner delimita a partir de sua clinica,
como uma categoria nosológica autônoma.
Seguimos na posição de leitores de Temple Grandin e de sua
invenção pela qual captura o seu corpo cujo objeto a lacaniano é bastante amplo
para abarcar esta função de preservar uma relação fixa com o objeto que tanto o
adota como dá forma ao sujeito.
Nesta dia 9 de abril veremos o filme de Temple Grandin que a
retrata e que será para nós como um estudo de caso da Síndrome de Asperger. Como
ela foi diagnosticada e o quão diferente era a seu olhar a ponto de vir a se
tornar numa profissional brilhante em zootecnia. Hoje ela é professora na
Faculdade do Colorado e se consagra a criação de dispositivos que atenuem o
sofrimento dos animais que vão ser sacrificados no matadouro. Em seu livro
Pensar com imagens, Temple Grandin afirma que seu pensamento se assemelha ao
funcionamento do computador acrescentando que esse nasce do cálculo. O que leva
Éric Laurent a considerar que se trata de uma forma de apresentar as regras da
linguagem separadas de toda relação com o corpo, sem nenhuma opacidade. O que
nos faz recordar remete Laurent a Chomsky, ao seu sonho de buscar as regras
absolutas, já escritas, do funcionamento da língua. Lembremos que pretendemos fundamentar sobre
os testemunhos dos autistas o uso singular que cada um faz da letra na sua
relação com o campo da linguagem e de sua diferença em relação ao campo da
psicose. Aqui se esboça um dos tópicos que pretendemos desenvolver e que é o da
clinica estrutural que permite situar o autismo como o estado originário do
sujeito. O que nos leva a nos esforçarmos para tratarmos o sujeito autista e a
apelarmos para que ele venha a inventar algo, este é o seu único remédio, o que
deve incluir o resto que fica da relação dele com o Outro: seus objetos
autísticos, suas estereotipias e seus duplos.
No caso de Temple Grandin ao propor modelos de cattle chute(
pequeno curral) e de squeeze chute. E as
máquinas de abraçar que seriam como objeto transicional, como o brinquedo de
criança pequena, aqueles de pelúcia, ou o paninho, que sempre trazem consigo e
que os acalma. Temple relata que construía esta máquina para acalmar a
angustia, mas que sempre lhe causavam um conflito, até um rechaço, o mesmo para
os seu bichinho de pelúcia, recorda a mãe. Pretendemos neste curso desenvolver
a importância do objeto autista assim como nos ensina Temple Grandin.
Ver seu
site: http://www.templegrandin.com/
Na Wikipédia
Temple Grandin Mary Temple Grandin é uma mulher com autismo (de alto
funcionamento), também conhecido como Síndrome de Asperger, que revolucionou as
práticas para o tratamento racional de animais vivos em fazendas e abatedouros.
Bacharel em Psicologia pelo Franklin Pierce College e com mestrado em Zootecnia
na Universidade Estadual do Arizona, é Ph.D. em Zootecnia, desde 1989, pela
Universidade de Illinois. Hoje ministra cursos na Universidade Estadual do
Colorado a respeito de comportamento de rebanhos e projetos de instalação, além
de prestar consultoria para a indústria pecuária em manejo, instalações e
cuidado de animais. Atualmente ela é a mais bem sucedida e célebre profissional
norte-americana com autismo, altamente respeitada no segmento de manejo
pecuário2 .
Na juventude
ela criou a "máquina do abraço", uma engenhoca para lhe pressionar
como se estivesse sendo abraçada e que a acalmava, assim como a outras pessoas
com autismo. Sua vida foi tema do filme Temple Grandin, em 2010, quando ela foi
mencionada pela revista Time na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo,
na categoria dos "Heróis".3
Temple
tornou-se uma profissional extremamente bem-sucedida. Projeta equipamentos e
instalações para a pecuária. Todos os corredores e currais que desenha são
redondos, pois o gado tem mais facilidade em seguir um caminho curvo - primeiro
porque, não vendo o que há no fim do caminho, fica menos assustado; segundo
porque o desenho curvo aproveita o comportamento natural do animal, que é
descrever círculos. 4 Ela faz uma analogia: com as crianças autistas é preciso
agir do mesmo modo, isto é, trabalhando a favor delas, ajudando-as a descobrir
e desenvolver seus talentos ocultos. Ela já escreveu mais de 400 artigos
publicados em revistas científicas e periódicos especializados, tratando de
manejo de rebanho, instalações e cuidados dos animais.2
História
Visitando a
fazenda de sua tia Ann no Arizona em 1966, Temple inicia seu primeiro contato
com animais, que influenciariam sua vida e carreira. A jaula para prender
bovinos a inspirou na construção de um aparelho para si própria para se
refugiar de seus frequentes ataques de pânico.
Sua mãe
Eustácia, mesmo com a recomendação médica de interna-la em uma instituição
psiquiátrica, insiste em proporcionar-lhe educação formal. Em uma escola para
crianças superdotadas é encorajada por seu professor de Ciências, o Dr.Carlock.
Este percebe seu talento em "pensar em imagens e conectá-las", e a
incentiva a prosseguir sua educação em uma universidade.
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